segunda-feira, 25 de abril de 2016

25 de abril sempre!

Volta e meia, alguns militares que se reclamam donos da Revolução - como se a Liberdade tivesse amos - deixam escapar um desabafo que me encanita: "Não foi para isto que fizemos o 25 de Abril." A afirmação paternalista encerra um subtexto de ameaça que é incompatível com a Democracia. Se as coisas não correrem de acordo com a vontade e os desejos destes pretensos tutores do regime, aqui d"el rei que as chaimites voltam à rua.

Na verdade, o 25 de Abril fez-se para derrubar a ditadura e para que o povo, melhor ou pior, tomasse em mãos o destino que quer ter. Em democracia prevalece a vontade da maioria. Sem os capitães e o MFA nada disto teria sido possível, e por isso estamos, eu estou, eternamente gratos. Mas, cumprida a missão e a transição para a democracia, os militares regressaram aos quartéis a que pertencem. Constitucionalmente, desde 1982, as Forças Armadas subordinam-se ao poder político e à administração do Estado, não tendo qualquer competência de condução política. Foi por isso que se extinguiu o Conselho da Revolução.


 É bom relembrar esta evidência para que não haja tentações ou equívocos. Podemos e devemos discutir se o programa dos três D está cumprido, 42 anos depois de 1974. Sobre a descolonização não há nada a acrescentar. Foi o que foi e ponto final. O desenvolvimento é óbvio e evidente, basta compararmos o indicador da mortalidade infantil que hoje é marginal para concluirmos que o país evoluiu de forma incomparável.


E se atentarmos aos direitos, liberdades e garantias, também não temos dúvidas de que estamos num patamar de liberdade muito acima do que o que tínhamos até à Revolução, seja no que respeita à igualdade de género - e, mesmo assim, ainda há muito por fazer - ou aos direitos das chamadas "minorias" - o casamento entre pessoas do mesmo sexo está finalmente reconhecido por lei e a adoção por casais homossexuais, por exemplo, é a conquista mais recente.


Em matéria de democratização ninguém se pode queixar de batota ou limitação à liberdade de pensar ou agir diferente, por mais que haja quem tenha pulsões censórias. Experimentamos hoje uma solução de governo que não tinha sido testada, em que uma maioria parlamentar de toda a esquerda suporta um governo minoritário do PS. Sim, falou-se de golpe e usurpação, mas isso faz parte do azedume legítimo de quem, tendo ganho eleições, não conseguiu formar uma maioria como é das mais elementares regras da democracia representativa. Aqui chegados, há ainda muito por fazer. Portugal continua um país que padece de acentuadas desigualdades sociais, é preciso defender todos os dias o Serviço Nacional de Saúde e a Escola Pública a que todos, sem discriminações, têm de ter direito e acesso, ou lutar pela igualdade de tratamento de todos os cidadãos perante a Justiça. E tantas outras coisas.


Mas a Liberdade é a questão central do 25 de Abril. E essa não é de esquerda ou de direita, não é dos militares ou dos civis, de uns mais e de outros menos. É de todos. Talvez fosse conveniente que ninguém deixasse de voltar, uma vez por outra, às palavras de Sophia: "Esta é a madrugada que eu esperava/ O dia inicial inteiro e limpo/ Onde emergimos da noite e do silêncio/ E livres habitamos a substância do tempo."




Fonte: Nuno Saraiva - DN

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