Na teoria, a inclusão é um direito garantido. Na prática, é um exercício diário de improviso. Pediu-se às escolas que mudassem o paradigma sem lhes mudar as condições. Pediu-se diferenciação pedagógica em turmas numerosas, colaboração em horários que não coincidem, intervenção especializada sem técnicos suficientes e acompanhamento individualizado em espaços que, muitas vezes, não passam de corredores adaptados à pressa ou salas partilhadas com tudo e com todos. A escola inclusiva nasceu sem berço, sem enxoval e sem quem a embale.
As crianças deixaram de ter rótulos, é verdade, agora têm “medidas”. Medidas essas que dependem, curiosamente, da boa vontade, da resiliência e da capacidade quase heroica dos profissionais no terreno. Porque o sistema, esse, continua a funcionar como se todas as crianças fossem iguais, desde que se escreva num relatório que são diferentes. Quando falamos de crianças e jovens com problemáticas graves, perturbações do comportamento, sofrimento emocional profundo, contextos familiares altamente desestruturados, a ironia atinge o seu auge. Espera-se que a escola responda de forma especializada, sem ter espaços adequados, sem formação contínua suficiente e, muitas vezes, sem qualquer retaguarda externa.
O professor transforma-se num gestor de crises, mediador familiar, técnico de intervenção precoce, terapeuta improvisado e burocrata profissional, tudo no mesmo dia e, de preferência, dentro do horário. As escolas não têm salas sensoriais, não têm unidades estruturadas suficientes e as que existem estão sobrelotadas, não têm rácios adequados de adultos por criança em situações de elevada complexidade. Mas têm decretos. Muitos decretos. E é suposto que isso baste.
O mais irónico é que, quando a inclusão falha, porque falha, inevitavelmente, a responsabilidade recai quase sempre sobre quem está mais próximo da criança: a escola, os professores, as equipas educativas. Nunca sobre o facto de as condições para passar da teoria à prática nunca terem sido verdadeiramente criadas. Nunca sobre a ausência de investimento sustentado, planeamento a longo prazo ou articulação real entre educação, saúde e ação social.
O DL 54/2018 prometeu uma escola para todos, mas esqueceu-se de garantir os alicerces dessa escola. E assim seguimos, numa espécie de teatro inclusivo, onde se encena diariamente uma resposta que o sistema insiste em chamar de equitativa, enquanto profissionais exaustos fazem milagres com recursos mínimos e as crianças mais vulneráveis continuam à espera que a inclusão deixe de ser um conceito bonito no papel e passe, finalmente, a caber dentro das paredes, muitas vezes inadequadas, das nossas escolas.
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